quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Dois poemas

Para ler ouvindo o movimento de abertura da sinfonia "Also Sprach Zarathustra" de Richard Wagner.



A águia pousa sobre os ombros de Roberto Piva.

Visão 1961

as mentes ficaram sonhando penduradas nos esqueletos de fósforo
invocando as coxas do primeiro amor brilhando como uma
flor de saliva
o frio dos lábios verdes deixou uma marca azul-clara debaixo do pálido
maxilar ainda desesperadamente fechado sobre o seu mágico vazio
marchas nômades através da vida noturna fazendo desaparecer o perfume
das velas e dos violinos que brota dos túmulos sob as nuvens de
chuva
fagulha de lua partida precipitava nos becos frenéticos onde
cafetinas magras ajoelhadas no tapete tocando o trombone de vidro
da Loucura repartiam lascas de hóstias invisíveis
a náusea circulava nas galerias entre borboletas adiposas e
lábios de menina febril colados na vitrina onde almas coloridas
tinham 10% de desconto enquanto costureiros arrancavam os ovários
dos manequins
minhas alucinações pendiam fora da alma protegidas por caixas de matéria
plástica eriçando o pelo através das ruas iluminadas e nos arrabaldes
de lábios apodrecidos
na solidão de um comboio de maconha Mário de Andrade surge como um
Lótus colando sua boca no meu ouvido fitando as estrelas e o céu
que renascem nas caminhadas
noite profunda de cinemas iluminados e lâmpada azul da alma desarticulando
aos trambolhões pelas esquinas onde conheci os estranhos
visionários da Beleza
já é quinta-feira na avenida Rio Branco onde um enxame de Harpias
vacilava com cabelos presos nos luminosos e minha imaginação
gritava no perpétuo impulso dos corpos encerrados pela
Noite
os banqueiros mandam aos comissários lindas caixas azuis de excrementos
secos enquanto um milhão de anjos em cólera gritam nas assembléias
de cinza OH cidade de lábios tristes e trêmulos onde encontrar
asilo na tua face?
no espaço de uma Tarde os moluscos engoliram suas mãos
em sua vida de Camomila nas vielas onde meninos dão o cu
e jogam malha e os papagaios morrem de Tédio nas cozinhas
engorduradas
a Bolsa de Valores e os Fonógrafos pintaram seus lábios com urtigas
sob o chapéu de prata do ditador Tacanho e o ferro e a borracha
verteram monstros inconcebíveis
ao sudoeste do teu sonho uma dúzia de anjos de pijama urinam com
transporte e em silêncio nos telefones nas portas nos capachos
das Catedrais sem Deus
imensos telegramas moribundos trocam entre si abraços e condolências
pendurando nos cabides de vento das maternidades um batalhão
de novos idiotas
os professores são máquinas de fezes conquistadas pelo Tempo invocando
em jejum de Vida as trombetas de fogo do Apocalipse
afã irrisório de ossadas inchadas pela chuva e bomba H árvore
branca coberta de anjos e loucos adiando seus frutos
até o século futuro
meus êxtases não admitindo mais o calor das mãos e o brilho
platônico dos postes da rua Aurora comichando nas omoplatas
irreais do meu Delírio
arte culinária ensinada nos apopléticos vagões da Seriedade por
quinze mil perdidas almas sem rosto destrinçando barrigas
adolescentes numa Apoteose de intestinos
porres acabando lentamente nas alamedas de mendigos perdidos esperando
a sangria diurna de olhos fundos e neblina enrolada na voz
exaurida na distância
cus de granito destruídos com estardalhaço nos subúrbios demoníacos pelo
cometa sem fé meditando beatamente nos púlpitos agonizantes
minhas tristezas quilometradas pela sensível persiana semi-aberta da
Pureza Estagnada e gargarejo de amêndoas emocionante nas palavras
cruzadas no olhar
as névoas enganadoras das maravilhas consumidas sobre o arco-íris
de Orfeu amortalhado despejavam um milhão de crianças atrás das
portas sofrendo
nos espelhos meninas desarticuladas pelos mitos recém-nascidos vagabundeavam
acompanhadas pelas pombas a serem fuziladas pelo veneno
da noite no coração seco do amor solar
meu pequeno Dostoievski no último corrimão do ciclone de almofadas
furadas derrama sua cabeça e sua barba como um enxoval noturno
estende até o Mar
no exílio onde padeço angústia os muros invadem minha memória
atirada no Abismo e meus olhos meus manuscritos meus amores
pulam no Caos


Visão de São Paulo à noite - Poema Antropófago sob Narcótico

Na esquina da rua São Luís uma procissão de mil pessoas
acende velas no meu crânio
há místicos falando bobagens ao coração das viúvas
e um silêncio de estrela partindo em vagão de luxo
fogo azul de gim e tapete colorindo a noite, amantes
chupando-se como raízes
Maldoror em taças de maré alta
na rua São Luís o meu coração mastiga um trecho da minha vida
a cidade com chaminés crescendo, anjos engraxates com sua gíria
feroz na plena alegria das praças, meninas esfarrapadas
definitivamente fantásticas
há uma floresta de cobras verdes nos olhos de meu amigo
a lua não se apóia em nada
eu não me apóio em nada
sou ponte de granito sobre rodas de garagens subalternas
teorias simples fervem minha mente enlouquecida
há bancos verdes aplicados no corpo das praças
há um sino que não toca
há anjos de Rilke dando o cu nos mictórios
reino-vertigem glorificado
espectros vibrando espasmos
beijos ecoando numa abóbada de reflexos
torneiras tossindo, locomotivas uivando, adolescentes roucos
enlouquecidos na primeira infância
os malandos jogam ioiô na porta do Abismo
eu vejo Brama sentado em flor de lótus
Cristo roubando a caixa dos milagres
Chet Baker ganindo na vitrola
eu sinto o choque de todos os fios saindo pelas portas
partidas do meu cérebro
eu vejo putos putas patacos torres chumbo chapas chopes
vitrinas homens mulheres pederastas e crianças cruzam-se e
abrem-se em mim como lua gás rua árvores lua medrosos repuxos
colisão na ponte cego dormindo na vitrina do horror
disparo-me como uma tômbola
a cabeça afundando-me na garganta
chove sobre mim a minha vida inteira, sufoco ardo flutuo-me
nas tripas, meu amor, eu carrego teu grito como um tesouro afundado
quisera derramar sobre ti todo meu epiciclo de centopéias libertas
ânsia fúria de janelas olhos bocas abertas, torvelins de vergonha,
correrias de maconha em piqueniques flutuantes
vespas passeando em voltas das minhas ânsias
meninos abandonados nus nas esquinas
angélicos vagabundos gritando entre as lojas e os templos
entre a solidão e o sangue, entre as colisões, o parto
e o Estrondo

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Um post dada-metafísico

INSTRUÇÕES

1) Coloque o fone de ouvido.
2) Ajuste o volume do seu computador para o máximo.
3) Leia o texto.
4) Veja o vídeo e deixe a música entrar...

A quem interessar possa:
nós não fazemos troça.
Apenas avisamos aos desavisados
que, sim, Deus joga dados.
Não é de espantar
que a vida seja um jogo de azar;
já deveríamos saber
que nada mais há a ganhar, só a perder

(não é à toa que sorte rima com morte).

Chame de coincidência
o que não se explica pela ciência;
diga que é o acaso
o culpado pelo seu ocaso –
a absurda ignorância
não atenua a arrogância.
Os dados são jogados por Deus,
mas todos os erros são seus.

É preciso ter norte para não cegar o corte.

Por isso, quem nos lê que seja solerte
ouça nosso conselho e desperte:
o tempo é uma mesa de feltro verde
onde apenas um jogador não perde.

E os dados que correm por ela assim
são o que nós chamamos de vida;
a existência pode ser desmedida,
mas a mesa sempre impõe um fim.

Só quem tem porte pode ser forte.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Manifesto Anarco-patafísico-dada

É preciso soltar a mente presa em formas, fórmulas, formulários: a mente deve subir pelos céus e voar em círculos sobre o mundo, estendendo suas asas sobre todas as idéias – idéias são possibilidades.

Somente do alto, com os olhos afiados, é que podemos apreender o real significado das coisas: a distância nos torna mais próximos do mistério.

Que seja nossa águia um grande tratado de pequenas idéias ou pensamentos diversos em palavras reunidas; que seja o ponto de fusão entre a anarquia, o patafísico e o dada; que seja tudo o que quisermos, porque vontades são possibilidades – mas que seja, antes de tudo, um caos criativo, e que haja beleza neste caos.

Como há na música de Stockhausen: "Gesang der Junglinge", composta entre 1955 e 1956.